sexta-feira, setembro 05, 2014

"SERIA MILIONÁRIA SE TIVESSE TALENTO PARA PROSTITUTA", DIZ CAROL MARRA

Ela é linda, foi notícia no New York Times, desfilou para várias marcas e já estreou um seriado na HBO. Hoje, com 28 anos, Carol Marra é uma mulher que tem plena consciência de que seu papel no mundo é quebrar todos os estereótipos criados em torno da transexualidade e mostrar que, independente da sua identidade de gênero e sexualidade, todo mundo tem o direito de ser quem realmente é.
Nascida em Minas Gerais, a modelo e atriz se orgulha de dizer que tudo o que conquistou até agora foi fruto de muito trabalho e luta contra a transfobia. “No começo foi muito difícil. Eu sei que surgiram comentários e todo mundo achava que o meu final seria me prostituindo em uma esquina. Adoraria ter esse talento para ser prostituta, pois eu estaria milionária, mas não sirvo para isso. Eu posso estar em uma esquina, mas no jornal, em um outdoor ou em uma revista”, comenta.
Hoje, Carol namora Tiago Tessari, assessor parlamentar de Caxias do Sul, e agradece a Deus pelas oportunidades que surgiram em sua vida e que não deixaram que ela caísse na prostituição. “Eu acho lamentável que muitas [transexuais] sejam empurradas covardemente para a prostituição porque ninguém dá uma oportunidade para elas, seja para ser modelo, jornalista ou garçonete. Não, você é tans, você vai ser puta. É um estigma. Muitas estão ali para sobreviver, para comprar um prato de comida”, conta.
Mesmo bem sucedida, ela diz ter enfrentado várias situações em que sua transexualidade foi encarada como um problema pela sociedade, mas foi uma ocasião em especial que a fez parar de se esconder e assumir para a família quem realmente era. Em uma festa no Rio de Janeiro, Carol conheceu um homem de São Paulo, com quem ficou e trocou telefone. Durante um mês, mantiveram contato pelas redes sociais e se apaixonaram.
“Eu não tinha contado para ele ainda, então vim a São Paulo disposta a contar e vi que ele era extremamente preconceituoso e não falei. No dia em que ele soube, acabou comigo. Eu entrei em depressão e procurei um médico. Hoje eu entendi que ele me ajudou a ser eu mesma. Não é uma vagina que me transforma em uma mulher. Eu sempre vou ser uma mulher transexual, operada ou não”, diz.
“Tive uma infância solitária”
Ainda sem entender o que era transexualidade, Carol teve uma infância solitária e foi alvo constante de bullying entre os colegas de escola e crianças na rua. “Eu percebia que não era uma criança como as outras, tinha uma aparência um pouco andrógina. Saía com meus pais e as outras crianças perguntavam: ‘É menino ou menina’? e as mães respondiam: ‘Não, filho. É uma moça’”, lembra ela, que teve como musa inspiradora a apresentadora Xuxa. “As pessoas me perguntavam: ‘O que você quer ser quando crescer?’. E eu respondia: ‘Eu quero ser eu’”.
A família também percebia que ela era diferente e chegou a levá-la a um terapeuta ainda na infância. Mas foi só com 18 anos que Carol começou o processo de aceitação da sua transexualidade, quando o seu pai lhe deu um carro. No porta-malas ela escondia as roupas femininas e os apliques de cabelo que usava para sair, e entrava em casa vestida como homem.
“Foi assim durante anos. Até que um dia eu cansei daquilo. Eu estava muito deprimida. Eu pensava: ‘Até quando vou ser uma mentira para os meus pais, para os homens e para mim mesma?’. Eu só tenho essa vida e quero ser feliz agora. Então, com 22 anos, procurei um médico e o analista chamou os meus pais para conversar. Foi aquele choque. Menos de um mês depois eu estava colocando silicone e saindo de casa”, conta.
“O gay é preconceituoso com ele mesmo”
“Eu pensava: ‘Até quando vou ser uma mentira para os meus pais, para os homens e para mim mesma?’. Eu só tenho essa vida e quero ser feliz agora.
Formada em jornalismo, a mineira sonhava ser editora de uma revista de moda. Mas foi em frente às câmeras que sua carreira profissional deslanchou. Com 1,78m de altura, ela começou a posar para alguns amigos fotógrafos que conheceu enquanto trabalhou como produtora e conseguiu alguns bicos como modelo. O fato de a transexualidade ser encarada como algo que chama atenção e ser diferente foi o chamariz para as marcas contratarem Carol.
“Eu não vou recusar trabalho. Eu preciso do dinheiro. Só fico triste porque, na hora de fazer a campanha publicitária, que não é um show como é o desfile, eles não me chamam com medo de atrelar o produto à imagem da trans. O que eu acho hipócrita, porque consumo tudo o que uma mulher consome”, diz.
Segundo Carol, a discriminação no mundo fashion ainda é grande, mesmo que seja um ambiente com muitos homossexuais, que supostamente seriam mais abertos. “O gay é preconceituoso entre ele mesmo. Um xinga o outro, chama de ‘passiva’. Imagina se só tivesse gays ativos? Eles fariam o que? Ninguém ficaria com ninguém? Parece que ser passivo é feio e ofensivo. Com as trans é igual”, observa ela, sempre ressaltando que para toda regra há exceções.
“Imagina se só tivesse gays ativos? Eles fariam o que? Ninguém ficaria com ninguém?
Como esse preconceito sempre a incomodou, ela encontrou na dramaturgia o ambiente e profissão que pretende levar para frente. Carol participou da série “Psi”, da HBO, e interpretou uma transexual que é abandonada pelo namorado após contar a verdade. “Aquela cena foi tão intensa, por eu ter vivido aquilo, que o set inteiro se emocionou e aplaudiu. Aquilo me comoveu muito. E eu decidi que era isso o que eu queria ser da minha vida”, conta.
Além dos planos de seguir a carreira de atriz, o seriado também lhe rendeu a oportunidade de criar a própria linha de biquínis, depois que um casal de empresários conheceu a sua história e ofereceu o acordo. A previsão é de que a linha Carol Marra de biquínis seja lançada logo após o período eleitoral, em novembro.
Do lado pessoal, ela sonha ter uma família. “É o sonho de toda mulher, levar o filho para a escola, cozinhar para o meu marido. É isso o que eu quero”, conclui.
IG