terça-feira, novembro 04, 2014

EM FALTA NO SUS, REMÉDIO DARIA 8 ANOS DE VIDA A PACIENTES COM CÂNCER

Dois medicamentos que permitem dar até oito anos de vida, após o diagnóstico, para mulheres com câncer de mama sem cura não estão disponíveis no SUS (Sistema Único de Saúde) para tratamento da doença em estágio avançado (metastático). O trastuzumab e pertuzumab são utilizados em associação com a quimioterapia.
Mais comum entre as mulheres, o câncer de mama é o segundo tipo mais frequente no mundo. Segundo dados do Inca (Instituto Nacional do Câncer), estima-se que 57 mil mulheres descobriram a doença em 2014. O cenário fica ainda mais preocupante ao considerar que a taxa de mortalidade continua muito elevada e, em metade dos casos, a doença é descoberta já em estágio avançado e com metástase.
O médico oncologista Carlos Barrios, professor da PUC-RS (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul) e diretor do Instituto do Câncer do Hospital Mãe de Deus, de Porto Alegre (RS), explica que as pacientes com câncer metastático que usaram os remédios trastuzumab e pertuzumab, juntamente com o tratamento quimioterápico, tiveram sobrevida de até cinco anos, e, em alguns casos, chegaram a oito anos.
“Em 2000, se tratava essas pacientes com quimioterapia e o tempo de vida delas era de, aproximadamente, 20 meses. Quando se colocou o trastuzumab no tratamento, a expectativa foi para 37 meses. Se além do trastuzumab e da quimioterapia, a paciente tiver acesso ao remédio pertuzumab, a expectativa de vida sobe ainda mais: 56 meses.”
Entretanto, o pertuzumab, hoje, não está disponível no SUS. Já o trastuzumab está disponível na rede pública, mas em casos muito específicos, de acordo com o médico oncologista do Instituto do Câncer Mãe de Deus Stephen Stefani.
“O trastuzumab é disponível na rede pública somente em casos de tratamento preventivo [para evitar que o câncer volte], e não de controle de doença avançada [casos de mulheres com câncer metastático], apesar dos estudos já disponíveis há quase uma década.”
Além de dar sobrevida as mulheres sem perspectiva de cura, os remédios também proporcionam uma vida normal após a quimioterapia, de acordo com o oncologista e chefe-geral do Centro de Oncologia Antônio Ermírio de Moraes do Hospital São José, em São Paulo, Antônio Carlos Buzaid.
“O cabelo cresce e a paciente pode trabalhar, viajar, levar uma vida normal.”
Preço elevado
O médico oncologista Sérgio Jobim de Azevedo, membro do serviço de oncologia do Hospital Mãe de Deus, chama atenção para o preço do trastuzumab e pertuzumab. Ambos têm um custo muito elevado para o hospital e, consequentemente, para o governo.
“Quando fazíamos só quimioterapia, cada paciente custava ao hospital R$ 318. Mas quando começamos a usar novas tecnologias, os números saem de proporção. E isso é um problema, pois, ao mesmo tempo que damos boas-vindas às novas tecnologias, temos que nos dar conta de que estamos impondo um custo elevado. Para um tratamento de seis meses com trastuzumab, o custo é de R$ 57 mil.”
Para Barrios, mesmo que não seja possível para o governo disponibilizar os medicamentos no SUS, o assunto precisa ser discutido para que isso, em algum momento, se torne viável.
“Vamos ter que definir quanto custa a vida de uma mulher com câncer de mama no Brasil. E eu quero ver quem é o político que vai matar essa no peito. Quando a gente se vê nessa situação tem que sentar e fazer com que o preço seja discutido.”
Em nota, o Ministério da Saúde informou que “tem investido na melhoria do acesso da população à prevenção, exames e tratamentos do câncer. Desde 2012, o Ministério da Saúde incluiu 114 medicamentos e procedimentos no SUS, que equivale a quase três vezes a média anual de incorporações feitas nos últimos seis anos. Entre os medicamentos incorporou o trastuzumabe, medicamento utilizado para o tratamento de câncer de mama inicial e localmente avançado e um dos mais eficientes medicamentos de combate ao câncer de mama. Para compra do medicamento, que teve início em 2013, o Ministério da Saúde investiu R$ 159 milhões e, para este ano, está previsto um orçamento de R$ 244 milhões. Sobre a inclusão do pertuzumabe, o Ministério da Saúde ainda não recebeu, até o momento, pedido de análise para incorporação, quer seja de empresas produtoras, sociedades médicas, ou sociedade civil”.
Ainda segundo a nota, “o Ministério da Saúde e as Secretarias Municipais e Estaduais de Saúde não fornecem diretamente medicamentos contra o câncer. A oferta é feita com a inclusão nos procedimentos quimioterápicos registrados no subsistema Apac-SIA-SUS, devendo ser fornecidos pelos hospitais credenciados no SUS e habilitados em oncologia, com o ressarcimento do Ministério da Saúde. Por meio do valor pago pela Apac, a instituição temautonomia para adquirir a medicação que avaliar necessário para cada caso.
Pesquisa clínica é alternativa para pacientes
Barrios também chama a atenção para outra dificuldade no tratamento das pacientes com câncer metastático: a demora na aprovação de pesquisas clínicas no Brasil. Quando um novo medicamento está pronto, precisa ser utilizado em seres humanos para que os pesquisadores observem como acontecem as reações de cada organismo, e se elas variam entre etnias, por exemplo. Para isso é feita a pesquisa clínica, que não gera despesas ao governo, e que só é liberada após a avaliação de um comitê que a analisa do ponto de vista científico e ético, para garantir a proteção dos pacientes. No Brasil, essa autorização pode demorar até 14 meses para sair, enquanto nos Estados Unidos e na Inglaterra o tempo necessário para avaliar cada pesquisa é de, no máximo três meses, segundo o especialista.
“O número de pacientes é completo antes de começarmos a participação na pesquisa. E a gente perde em todos os sentidos. Perde porque os estudos não vêm para o Brasil, porque os recursos desses estudos também não vêm pro Brasil, e perde em relação ao possível resultado.”
A necessidade de discutir tanto a autorização para as pesquisas clínicas quanto o preço dos novos medicamentos é, para Barrios, urgente. Principalmente porque a incidência de câncer só tende a aumentar, e as taxas de mortalidade são muito maiores em países como o Brasil, que não dispõem dos mesmos recursos dos Estados Unidos.
“Câncer é um problema sério e vai adquirir proporções epidêmicas.”
 R7